segunda-feira, abril 11, 2011

Mon'amour.



   O hospital fora a última morada da minha amada filha até que essa me deixasse aos seus dez anos de idade. Recordo-me com perfeição do dia no qual a minha pequena nascera, sendo ela o próprio sol que rompera a madrugada. O seu semblante diminuto reluzia a paz de um mundo inteiro e, enquanto a felicidade materializava-se e dormia tranquila nos meus braços maternos, a alegria fugia-me do peito e infiltrava-se em todo o ar.
  
   Os primeiros dentinhos dela vieram pontudos e, mais tarde, os seus passos altivos; Herdara, evidentemente, o ímpeto do pai. Mas, ainda que a coragem transbordasse do olhar doce e negro da nossa pequena, eu sempre dizia presunçosa: Eu quero ser para você um eterno escudo. Hoje lamento o fato da leucemia não ter escolhido a mim para amigar-se.
  
   Quando o aniversário de sete anos da nossa amada estava próximo foi quando os médicos presentearam-nos com a triste notícia. E após algumas torturantes seções de quimioterapia, sugeriram-nos que os pomposos cachos da nossa pequena fossem cortados, para evitar a tristeza de ver os fios rendendo-se a gravidade dolorosa e gradativamente, e assim foi feito.
   
   A marcha fúnebre do seu enterro ainda entoa os meus dias, um nítido contraste a efusividade das flores, as quais tingem os meus pensamentos e aromatizam a minha pele. O conjunto de tais lembranças traduz a minha tristeza constante e registra através de lágrimas quentes – que crestam a face e deixam os seus rastros diários – o vácuo que tomou-me por hábitat.

  As semanas voam austeras e destilam sobre a minha cabeça o cinza do outono, o qual arrasta pertinaz as correntes pesadas de não termos por perto a nossa menina. O telefone reproduz o seu eventual toque agudo, mas os meus dedos tremem e ignoram-no ao longo dos dias. Quando me permito sair da minha caverna de paredes de concreto, cores discretas e lareira acesa, – na esperança perpétua de aquecer-me por dentro – encaro com pudor a caixa de correio no jardim, por tê-la a abandonado igualmente. E a caixa metálica me sorri, em seu brilho taciturno, um altruísmo reprimido.
  
  Caminho, no entanto, desencorajada até a correspondência e obrigo-me a verificar quantas cartas disputam espaço dentro da caixinha desprezada por mim e esquecida, inconscientemente, pelo meu querido esposo. Entre os papéis amolgados uma letra infantil cintila contente em um papel cor de rosa. Com as mãos trêmulas, eu elevo ansiosa o pequeno envelope ao nariz – ao passo que o perfume floral da minha princesa me ocorre a memória. Em seguida o admiro e tateio cada dobradura enquanto observo a data de um mês e meio atrás. Leio, portanto, as singelas palavras: Eu quero ser pra vocês um anjinho, ainda que sem asas e auréola, como vocês são para mim. Eu quero ser também, mamãe e papai, somente motivo de alegria, esteja eu longe ou perto os amarei eternamente.

   Assim, as palavras da nossa filha selaram um adeus e reconfortaram parcialmente o meu coração; Enquanto as lágrimas demarcavam-me as têmporas. Eu ainda mantenho o cabelo curto, como da primeira vez em que o cortei em incentivo a minha pequena. E agora fico aqui, embasbacada diante de tanto amor que resplandece em papel tão pequeno. Aquiesço, portanto, e permito que a mão do meu querido repouse sobre a minha destra; Auxiliando-me, assim, nos passos que daremos rumo ao futuro.

 Pauta para o projeto bloínques,
19ª edição roteiro e 64ª edição musical.

 Fiz esse texto em homenagem a uma amiga que perdi ainda na infância por conta da leucemia, e algumas lágrimas não foram poupadas ao terminá-lo. Bem, peço mil perdão pelo tempo que fiquei sem nada postar. Como se já não fosse suficiente o pouco tempo que possuo para estar na internet o meu computador parou de funcionar e só voltou do conserto fim de semana passado. Enfim, espero que tenham gostado desse texto, e logo logo recuperarei tudo que perdi dos vossos blogs. Grande beijo.