quarta-feira, dezembro 22, 2010

Falta-me (um) ser.


   Faltam-me as asas, assim como, também me são escassos o altruísmo em excesso e a paciência. Falta-me a auréola, a qual imita perfeitamente a ausência da sua amizade e compreensão por mim. Falta-me a luz mágica, a qual curaria docemente tudo que sentisse o leve toque das minhas mãos finas e quentes. Falta-me um terço da minha paz interna, o que dificulta que eu distribua a felicidade como quem entrega flores e fica com o perfume nas mãos após terminar o serviço. Falta-me o seu olhar de alívio, para que eu possa me despedir com a consciência esbranquiçada. Falta-me coragem para arriscar e voar, mesmo enquanto os meus pés permanecem a acariciar o chão de terra batida. Qual dos incrédulos lhe disse que só é possível voar física e literalmente? Falta-me ânimo para consertar todas as mentiras que implantaram bruscamente em seu coração. Falta-me sentar e esperar ver o mundo de novo, encará-lo severamente e ensaiar algumas broncas para atirar-lhe na face, mesmo que essas sejam atenuadas pelo prolongamento inconsciente de um sorriso faceiro em meu rosto, diante de tantos disparates e doces histerias. Falta-me uma grande caneca de café quente para que eu possa admirar ingenuamente a fumaça que sobe, enquanto escrevo um romance e vivo outro com o lápis e a folha em minha destra, um dos raros que me acompanhará eternamente. Faltam-me alguns cachos, os anjos sempre os têm. Falta-me na verdade ser um – ainda que provisório – anjo.





sexta-feira, dezembro 17, 2010

E todos por um.

   Ao longe, as raras árvores que ali estavam cochichavam e especulavam sobre o possível dilema do casal mais a frente. Porém, somente a estrada junto à vasta grama, de um verde vivaz e um silêncio comum, pôde presenciar e quase sentir o drama estampar o rosto do rapaz assim que ele percebera que Joana já o esperava. Enquanto isso, a mesma aflição fazia cintilar os olhos da bela moça, mesmo que ele ainda não pudesse ver este último.
  
   A amizade que a eles unia era de longa data, mas há tempos havia se desfeito de um modo frio e inexplicável. E isso rendera longas noites de insônia e pares de olheiras à jovem que não se conformara com o fim. Na verdade, eram três: Joana, Cássio e Arthur. Os três mosqueteiros, assim era como eles se autonomeavam na infância. Mas hoje, crescidos e distantes, há cinco anos, não cumprem o antigo imprescindível dilema de “um por todos, e todos por um”. As lágrimas de tristeza e os turbilhões de saudade e angústia vieram quando os dois irmãos, Cássio e Arthur, se mudaram do país, sem ao menos se despedir. Joana nunca se conformara ou compreendera o que os levou a tal atitude, e perdoá-los seria ainda mais complicado.

  – Você continua linda. – Cássio disse num tom sério, enquanto encarava fixamente a moça.

  – Certamente o assunto que o fez lembrar-se de mim não é a minha beleza. – Joana retrucou séria e fria enquanto virava-se para vê-lo.

  – Sim... Mas obrigado por ter vindo. – O tom de Cássio era cortante, e os olhos sempre fixos em Joana.

  – Era isso que pedira na carta. – Ela disse dando-o as costas, enquanto lutava contra as lágrimas.

  – Eu sei que eu e o Arthur agimos de uma forma muitíssimo ruim, viajamos sem nos despedir. E isso também nos magoou, mas é que nós descobrimos...

  – Descobriram que nós não somos mais crianças, e nem todos por um não é? – Ela o interrompeu e prosseguiu. – Sabe... Desculpe-me Cássio. Na verdade, foi horrível estar aqui sem vocês, sem notícias. Eu só precisava ouvir a voz de vocês. Eu amo tanto vocês dois, sempre os amei. E peço perdão por estar lhe tratando tão mal. – Ela não tinha coragem para virar-se.

  – Joana, querida! Sinto muito, mas o Arthur não está mais aqui. Ele se foi, e para sempre. Ele não queria que você soubesse que ele estava doente, por isso viajamos.

  Joana levou a mão à cabeça, estava zonza e o seu cérebro processava a triste informação. É claro que saber tão abruptamente da morte de seu querido amigo de infância a deixou em choque, paralisada. As únicas palavras que conseguiram escapar dos lábios foram:
  – Não, não! Por favor Cássio, vá embora! Chega de mentiras. Por que você está fazendo isso comigo!? – Ela disse isso aos prantos, porém de uma forma fraca e inconformada, literalmente em choque.

  – Perdoe-me Joana! Eu também sinto muitíssimo. Sei o quanto isso é difícil para todos nós. Mas irei respeitar a sua vontade... Vou deixá-la sozinha. Mas, se você quiser o meu carinho e consolo eu estarei por perto. Eu voltei a morar na antiga casa amarela. – Ele se despediu assim, deixando que algumas lágrimas insistentes tocassem o chão. Ele se fora em total silêncio e angústia.

  Joana chorou copiosamente durante alguns segundos, os mais longos e tristonhos da sua vida e decidiu-se, aturdida e confusa, ir atrás de Cássio. Ela o alcançou após curta corrida, e gritou afogada em lágrimas:

 – Cássio! Diga-me que é mentira, que tudo é apenas um pesadelo.

 – Não, Joaninha, infelizmente é real. – Ele a abraçou de um modo lindo, as gotículas gélidas também caiam de seus olhos. Sentaram-se na grama, a qual não demonstrava a vivacidade anterior, e permaneceram ali longos minutos. A conversa fora mantida pelas trocas de olhares e consolo. Ainda que a incomensurável e insuportável tristeza percorresse cada artéria de Joana, ela ainda possuía a amizade de Cássio.

  Pauta para o projeto Bloínques, 7ª Edição roteiro.

 Essa é a minha segunda participação no protejo Bloínques, e a primeira na edição roteiro. O texto ficou extenso, eu sei, mas espero que agrade.

 Mil beijos, queridos!                                                                                                        

terça-feira, dezembro 14, 2010

Esconderijo !


   Passos regulares amassam as folhas que, castigadas pelo tempo, caíram das árvores imitando as do outono passado. Um após o outro, os passos se completam e acompanham ritmadamente o “entra e sai” do ar nos meus pulmões. A caminhada, então, torna-se uma corrida, enquanto eu me transformo em vulto. Todo esse êxtase se expande pelas minhas artérias após eu avistar a minha perpétua e diária barreira dos últimos trezentos e sessenta e cinco dias. Amarela e estática, como sempre, ela me convida a atravessá-la e quase sorri. Do outro lado do muro é onde eu me refugio, o que torna todo esforço e confronto extremamente fácil ou válido. Basta que eu pule! E então, sem bloqueios posso me submergir em paz e liberdade, calmaria.

  Sentar-me-ei no piso frio, um tanto sujo, e observarei a felicidade presente em cada gota d’água que me acolhe. Recordar-me-ei de todas as vezes que aqui estive na esperança de afogar –literalmente– as minhas tristezas e desencantos. Vez ou outra eu recobrarei o auxílio do oxigênio, para que este renove o meu fôlego e eu torne a mergulhar. É tão agradável estar aqui, protegida e só. Mesmo com a chuva, fina e fria, que cai agora a água se mantém morna e eu me sinto leve. Se eu fechar bem os olhos, posso jurar estar voando.

  Infelizmente, não é sempre que eu posso estar aqui. Confesso que a minha presença aqui é um segredo, ou pior, aqui estou “às escondidas”. Mas é incontrolável, ela sempre está aqui tão solitária e tristonha... Sempre que eu vejo a casa ao lado vazia é um encanto só: Eu venho de pressa, pulo o muro e nado na piscina alheia até reorganizar os meus pensamentos. 

 Ah, eu me esqueci! Só para esclarecer. Algumas pessoas devem pensar que eu estou louca por ai, pulando muros e usufruindo de piscinas alheias. Não, não. Meus vizinhos não têm piscina, portanto, eu não serei presa por invasão domiciliar, rs. Mil beijos, e obrigada pelos comentários que estão cada vez me deixando mais contente.