quinta-feira, dezembro 05, 2013

O riso e a moça


   Rasga a face de leste a oeste. Começa com um simples derrear suave dos lábios e termina no mais esplendoroso mostrar de dentes. Todos tão alinhados, brancos e perfeitos, sendo dignos de furtar aplausos dos mais exigentes dentistas. Estampa natural da alegria. Sinal que indica se a vida vai bem ou mal; às vezes confunde-se e reluz mesmo diante as tempestades do dia, menos faceiro, mas ainda assim seguro de que não perdera o encanto de iluminar.

   Digníssimo também de causar inveja a qualquer folião efusivo, pois o riso sincero não faz distinções e enfeita até mesmo a face dos mais austeros. Não exige confete ou pandeiros, tampouco multidões. É humilde e se abriga igualmente nos tímidos. Mas caso haja platéia, esta será bem vinda: o tamanho expandir-se-á e o som tornar-se-á estridente; retorcerá o rosto em felicidade e comprimirá a barriga sem piedade. Pedirá atenção, assumindo o papel principal e mostrará a que viera. Dominará a quem viera até findar-se e dizer não, porque não é sempre que ele aceita transformar-se em gargalhada.

  Arrumará as malas, tomará por posse o chapéu e pegará a estrada rumo ao próximo olhar – afinal, antes dos lábios, ri-se com os olhos. Avistará o folião em uma esquina qualquer da vida e acenará, preparando-se para a próxima cena; para os próximos olhares, dentes, lábios e álibis. No entanto retornará com frequência ao rosto da bela que o conquistara.

   Se passível fosse escolher entre o sorrir ou o amar, ela não titubearia. Nascera para sorrir e o riso fizera-se curva de boca só para amá-la. Entre todos os semblantes era o dela que ele preferia abrilhantar. Sendo capaz de abandonar na avenida um folião sem a graça dos lábios, sem o sorriso leviano, só para enfeitá-la sem remorso. Mostrando os dentes perfeitos de minuto e minuto, sendo-os.

   Ela existira somente para sorri-lo e o riso para adorá-la. E assim o mais perene e primoroso casal fora formado: o riso e a moça, a moça que jamais sorrira pequeno.   


Nota: Quem é vivo sempre aparece e escreve e ama e sorri. Acho que estou de volta. Grande beijo.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Lunar


  
  Creio que com o passar dos anos não precisarei que o seu sorriso seja o meu Sol. Compreenderei que segundo a Física, ou mais do que isso, segundo a lógica basta-nos a estrela que nos aquece ao despontar ao leste todas as manhãs; e que se põe ao oeste e nos faz entardecer. Entardecerei às seis horas de um dia qualquer e entenderei que seu derrear de lábios será comum, perderá o fulgor, o poder hipnótico e a capacidade de esquentar a alma – a minha alma. Convencer-me-ei de que seus dentes são apenas dentes e de que seus olhos, outrora faiscantes, não são estrelas.

   Se um dia você teve luz própria, findou-se. Vejo isso agora, assim como noto a ausência de rastros seus. Foi-se rápido, cadente, fora astro. Não o é mais. Cruzara o céu sem rumo e eu aplaudira a sua partida. Pude comemorar efusivamente e de pé o final desse ciclo. Não fora o ano que rompera, mas sim nós e os nossos nós. Voltamos ao pronome singular. Desatei-me, fiz-me clara e decidira encantar a noite. Permiti-me renascer às seis horas de um outro dia qualquer. Não sou Lua, mas sou nova, crescente e cheia de intensidade. Apenas deliberei por não minguar, nunca mais


 Eu ia escrever algo sobre esse meu texto, sobre o que eu quis dizer... Mas acho que o enredo já bastou. Sou uma apaixonada pela Lua e isso é evidente. Só tenho a acrescentar que mesmo falando sobre um suposto fim, o meu tom foi de alegria, quase fascínio. Espero que tenham notado e aprovado. Agradeço a quem não desiste de mim como pessoa e escritora. Beijos!   

sexta-feira, janeiro 25, 2013

De efeito.



  O sol desponta no alto do prédio vizinho, avança impetuoso com o passar das horas e atinge o topo do céu ao meio dia, alcançando uma pequena fenda na janela do quarto de Arthur. O despertador natural atinge o seu objetivo: iluminar quem precisa de luz. E embora os raios golpeiem a sua face, fora a noite quem o deixou com marcas nos olhos. Um par de olheiras estampa o seu rosto e mais uma madrugada mal dormida fora registrada em sua longa conta. 

  Como de costume, lava o rosto e sai pela porta dos fundos para comprar jornal. Ainda que haja um modo de sair de casa sem encarar a caixa de correios, lá permanece ela simpática e metálica a luzir um riso sádico. Ela bem sabe a importância do que guarda e a capacidade de destruição que singelos papéis possuem. Tão finos, tão claros, tão poderosos quanto uma bomba nuclear. O dano físico seria ínfimo, quase nulo, mas o dano moral tornar-se-á imensurável caso o destinatário os aceite.

  Valsar com os defeitos, amá-los e intensificá-los exige obstinação e força para conviver com a hipótese de receber tudo de volta no futuro – sendo este longínquo ou não. Afinal, com o passar do tempo toda árvore floresce e o que era diminuto expande-se, duplica-se, cresce e volta à origem sendo bom ou ruim.  
 
  Ouvir a própria consciência é uma dádiva, ou uma insanidade – depende sempre do que esta diz. Arthur ouvira a dele, voltou alguns passos e fora fitar a caixa metálica que estava intocada há quase um mês. Ao abri-la, os seus olhos devoraram uma frase fixada no envelope em cima de uma pilha de papéis: E todos os defeitos que você deixou para trás estão nesse envelope, acho justo que estes pertences sejam entregues ao dono e que o persigam.” 

  A mão trêmula suava enquanto Arthur direcionava-se de volta à casa em passos largos, quase correndo. Os papéis acompanharam-no durante os dez minutos em que ele andou de um lado para o outro – sem rumo – deliberando entre sentar-se no sofá e ler tudo, ou fugir de si mesmo. Escolhera a primeira opção, pois seria menos trabalhoso encarar a verdade, apesar de mais doloroso.

  As contas atrasadas de água, energia elétrica e telefone foram atiradas na mesinha de centro, ficando somente em suas mãos o envelope amarelo. Releu a primeira frase, engoliu a seco e seguiu em frente. Os outros papéis que recheavam o envelope eram apenas fotos. Aliás, eram provas de que a tentativa de deixar o passado para trás falhara. Cada foto possuía uma legenda composta por uma única palavra; um defeito transliterando uma imagem. Na primeira estava escrito “covarde” na cor vermelha, nas outras dezenove mais imperfeições estampadas sempre no tom do sangue.

  Seja a lei branda ou rigorosa, e mesmo que a justiça tenha o seu próprio juiz, há outro ainda maior e mais severo. Embora a longa pena na prisão já houvesse sido cumprida, o preço a ser pago fazia-se altíssimo. Arthur era torturado pela sua consciência diariamente e pela pessoa que o presenteava semanalmente com as fotos de seus crimes remotos, relembrando-o os defeitos que ele tentara enterrar. Devolvendo-o a dor que cada ação condenável causara em suas vítimas. O arrependimento transformou-o, mas o fardo tornara-se pesado. Os defeitos foram deixados para trás, mas as conseqüências nunca o serão. 

Ano novo  e eu decidi voltar a postar. Tendo ou não inspiração é realmente impossível fugir da escrita, do modo como ela alimenta-me e faz crescer. Talvez o meu estilo tenha mudado um pouco, talvez seja apenas nesse texto. Só sei que gostei de escrever assim, um jeito mais simples. Beijos.