quarta-feira, maio 23, 2012

Oscila.


 A mesa é medíocre, castigada pelo tempo e de um vermelho desbotado. Vacila entre um instante e outro quando um alguém cansado apóia em sua tábua os cotovelos. Atualmente, são os meus que a fazem oscilar fora de ritmo: direita e esquerda, esquerda e direita. Está em falso – concluo sem me importar, já estou tristemente adepto à falsidade. Eu tinha estrela nos olhos... Eu gostara de sorrisos, juro-te. Hoje não mais.

 Eu admirara e perscrutara cada linha tênue e sinuosa que ousara enfeitar rostos plácidos; época na qual eu não fizera distinção entre o bom e o ruim. Amara todo e qualquer derrear de lábios com o mesmo ardor. O meu, o seu, os de estranhos... A meu ver, cada sorrir era uma estrela a suplicar aplauso; e eu fizera questão de guardar o fulgor dos astros no meu olhar para que, futuramente, fossem os faróis dos sonhos eclipsados.

 Mas houve o dia em que um riso destacou-se e, silenciosamente, solicitou-me um amor tão grande quanto o esplendor de seu cadente luzir. Rogou-me um exclusivo amor e eu o dei. Talvez eu tenha excedido alguns limites – ou deveria dizer todos? Mas quando amo, eu perco os escrúpulos. Aliás, perdia-os quando amava...

 Entretanto, apesar dos ciúmes excessivos que sombreavam os meus olhos, todo o resplandecer celestial acumulado ao fitá-la – acrescido ao amor pueril ganido em meu peito – impediu-me, por um tempo, de pôr em prática os meus engenhosos desatinos e fez-me reavaliar algumas das traições.

 Antes, amor. Depois, temor. 
 Perdoei-a, mas a persegui. Perdi-a.

  E entre soluços e lembranças recordo todos os dias o momento em que a minha estrela retornou ao céu, enquanto sou abraçado por essas paredes silenciosas da cela de um hospício qualquer, debruçado numa mesa medíocre que eu nem sei se realmente existe.