sábado, outubro 30, 2010

Distante.


 Enquanto o sol a beija, imitando a brisa fresca do mar, a escultura de bronze já não emite a luz do seu brilho original. A sua cor agora é de um dourado envelhecido, quase negro. De seu habitual lugar, ela sempre olha com admiração os vendedores ambulantes passarem com as suas inacabáveis mercadorias e quinquilharias, todas tão coloridas, carregadas nas mãos ou como os seus condutores conseguirem. Sendo esse modo, por vezes, desconfortável para ambos. Porém, eles nunca se esquecem de perdurar o velho e largo sorriso que lhes enfeita o rosto, e o fazem independentemente do perpétuo fardo que lhes castiga as costas e prejudica os passos. Mas, ela sabe que a felicidade que a eles pertence e irradia não lhe pode ser vendida ou emprestada. No entanto, ela deseja senti-la. Dali, estática, ela vira inúmeros casais passearem e deixarem as suas pegadas, junto às promessas pronunciadas e aos corações desenhados, na areia da praia. Presenciara as crianças correndo, brincando de pique e transbordando de uma alegria imensamente ingênua, simplória e invejável. Fitara também pessoas solitárias, as quais transpareciam buscar paz... Sem pressa, elas sentavam-se em uma pedra qualquer e fechavam os olhos, enquanto sentiam o vento afagar o seu rosto. Quanto a estátua: Nunca lhe disseram um “oi”, e ela jamais escutara algo sobre o amor, fé e felicidade. Contudo, ela os assistira e os almejara diariamente, e poderia dizer perfeitamente como era cada um. Assistir ao amor fez dela amável, admirar a fé fez dela fiel e fitar a felicidade fez dela feliz. 


Imagem: Estátua da Brigitte Bardot em Búzios.

As vezes nos julgamos abandonados, sem nada e ninguém! Mas não percebemos que o que tanto sonhamos está ao nosso lado... Ou melhor, pode estar dentro de nós mesmos. Espero que possamos enxergar a proximidade do que nos faz verdadeiramente feliz. E mais que isso, eu espero que, além de percebê-lo, possamos também tocá-lo... 
Mil Beijos C=

terça-feira, outubro 19, 2010

Lixo.

 No início eu sonhei com o dia no qual você viria me buscar, e ao puxar-me para ti não me empurraria mais, e eu me permitiria odiar menos a comum expressão escrita em portas: “puxe, empurre”. Mas há cinco anos eu me encontro aqui, livre e constantemente só, largada ao chão e aos vermes, sendo ambas as minhas fiéis e indesejáveis companhias. Porém, saiba que eu já me acostumei com a dor e com a superfície gélida que me acolhe, e prefiro mesmo me manter aqui... Ou pior, eu apenas não quero admitir a minha escassez de forças para levantar-me num salto, com uma alma nova e brilhante.
 Até ontem, eu não almejara e nem imaginara sublevar-me, mas o seu incomensurável magnetismo me obriga a isto, e antes que eu me ponha de pé, esse imã inconveniente me puxa com brutalidade, furtando-me de mim mesma e da minha solidão, arrastando-me pelas ruas desta cidadezinha velha e esquecida. E a esperança finalmente se recompõe e me diz ser você, mas eu não sinto o seu doce perfume e também não ouço o tenor de sua voz, o que me preocupa. Classifico-me, então, perdida! Atraída e arrastada rudemente por uma força estranha, de origem invisível e intocável, que após certo tempo finaliza-se. Eu adoraria receber de ti um coração e amor novo, puro, impecável... Mas caso isso não seja possível, recicle o meu velho coração enquanto é tempo! Isso já me basta. 

sábado, outubro 16, 2010

Proibido estacionar.



 Sinto-lhe escapar de todas as armadilhas que eu, minuciosamente, montei para capturá-lo e isso, acidamente e assiduamente, corrói as beiras da minha esperança, que de tão longínqua e inatingível torna-se poeira cósmica. Opto, então, por apelar e peço-lhe: – Não olhe para o lado, me responda. Não seja tão tranquilo e compreensivo, reaja! Abandone toda essa inércia. Grite comigo, ao menos desta vez. Faça-me sorrir, ou chorar, não importa. Ofereça-me os seus sentimentos e desperte os meus. Conquiste o meu amor, ou ative o meu ódio! Tire-me, mesmo que contra a sua vontade, desse nada, desse imenso vazio! Permita-se conhecer, deslocar-se, transformar-se, por mais que isso pareça ser ameaçador. Ainda não sei de qual fantasma você se esconde, então, me responda ao menos isso: Permanecerá estacionado para sempre em seus medos e fraquezas? Nada o comove, o alegra, o entristece, tens sido a apatia em pessoa. Confesso que há tempos eu não vejo luz em meus dias, e isso precisa ser mudado... Até quando, então, me deixará sem o seu largo e belo sorriso? Eu adoraria sentir novamente os raios de sol em minha pele.

sexta-feira, outubro 08, 2010

яomA.

“E hoje a noite não tem luar
E eu estou sem ela
Já não sei onde procurar
Não sei onde ela está”
 (Legião Urbana) 
   Todas as noites, nos três primeiros segundos em que o manto negro e estrelado encobria o céu, a mesma pane se repetia: os batimentos cardíacos do jovem rapaz eram interrompidos por um motivo totalmente desconhecido e aterrorizante. Ele desejava ardentemente que o seu surrado coração voltasse a bombear o seu sangue. Assim, também, ele esperava que ela tornasse à sua vida, e trouxesse consigo, em uma caixa, sacola ou no próprio bolso, a felicidade que lhe furtara, inconscientemente, pouco antes de partir. Suscitar-lho a vida seria muitíssimo fácil para ela, e a jovem faria isso majestosamente, como já o fez em um passado remoto, do qual ela tentara se livrar. Porém, mesmo queimando as fotografias em preto e branco, as quais alimentavam a lareira de sua clássica sala, ainda assim, a mente dela permanecera submersa em lembranças boas, que lhe traziam saudade e lhe tiravam a saúde.  
  – E então, até quando? – a bela moça sempre se perguntara de frente para o espelho – Até quando a responsabilidade de torná-lo feliz, e vivo, estará sob o meu cetro, e vice e versa? E ela realmente aguardava ansiosa, por uma resposta que viesse de seu interlocutor mudo, mas aquela era uma pergunta retórica, e ela sabia que seria sempre assim, que só a sua presença e sorriso poderiam consertar a eventual pane. Ela, portanto, resolveu levantar-se e deliberadamente optou por salvá-lo novamente, pois somente assim ela salvaria o seu próprio, e surrado, coração.
 
As vezes, nós pensamos estar fazendo algo muito bom para os outros, mas não notamos o grande bem que isso pode causar a nós mesmos. Quando eu comecei a escrever esse texto, a partir de uma frase que minha mãe disse em certa ocasião, há um mês, eu pensei que esse texto tomaria um rumo diferente, e na verdade já tinha tudo planejado na cabeça, mas o foco mudou, e muito! Enfim, esse é um texto especial demais para mim, e gostei da história ter mudado o rumo que eu imaginara anteriormente. Mil beijos. C=