segunda-feira, julho 19, 2010

I. Que a sorte voe até você.


     A menina de cabelos cacheados, olhos brilhantes e andar ritmado passeava distraída. A princípio, a sua intenção era apenas apreciar o fraco calor do sol em sua pele, naquele dia fresco. Ela passou por uma grande árvore, distanciou-se três passos, sem se quer percebê-la. Porém, o seu subconsciente capitou algo e ela, repentinamente, paralisou-se. A menininha retrocedeu os mesmos três passos; Desta vez, ela olhava atentamente para a árvore e em seu semblante havia curiosidade e entusiasmo. O surpreendente foi descobrir que o seu foco era uma borboleta, que voava entorno da árvore. A garota se aproximou e decidiu segui-la. A borboleta voava pelo campo florido e a pequena corria atrás dela, como se estivesse perseguindo a verdadeira sorte. Por instantes, a garotinha imaginou estar voando. A borboleta voou para o outro lado de um muro velho e a menina, despreocupada, pulou a mesma barreira, com o objetivo de não perdê-la de vista. Assim que ela pôs seus pequenos pés no chão deixou que a borboleta se fosse, e apenas murmurou: - espero ter sorte.

Mil beijos, Carol C=

terça-feira, julho 13, 2010

Principezinho; 'só se vê bem com o coração'

   Vivi, portanto, só, sem alguém com quem pudesse realmente conversar, até o dia em que uma pane obrigou-me a fazer um pouso de emergência no deserto do Saara, há cerca de seis anos. Alguma coisa se quebrara no motor. E como não trazia comigo nem mecânico nem passageiros, preparei-me para executar sozinho aquele difícil conserto. Era, para mim, questão de vida ou morte. A água que eu tinha para beber só dava para oito dias. 
   Na primeira noite, adormeci sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Estava mais isolado que um náufrago num bote perdido no meio do oceano. Imaginem qual foi a minha surpresa quando, ao amanhecer, uma vozinha estranha me acordou. Dizia:
  - Por favor... desenha-me um carneiro!
  - O quê?
  - Desenha-me um carneiro...
    Levantei-me num salto, como se tivesse sido atingido por um raio.  Esfreguei bem os olhos. Olhei ao meu redor. E vi aquele homenzinho extraordinário que me observava seriamente. Eis o meu melhor retrato que, passado algum tempo, consegui fazer dele.  Meu desenho é, seguramente, muito menos sedutor que o modelo. Não tenho culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, pelas pessoas grandes, da minha carreira de pintor, e só aprendera a desenhar jibóias abertas e fechadas.

             Eis o melhor retrato, que passado algum tempo, consegui fazer dele. 

 Olhava para essa aparição com olhos arregalados de espanto. Não esqueçam que eu me achava a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Ora, o meu pequeno visitante não me parecia nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo.Não tinha absolutamente a aparência de uma criança perdida no deserto, a milhas e milhas de qualquer região habitada.Quando consegui finalmente falar, perguntei-lhe:
  - Mas... que fazes aqui?
E ele repetiu então, lentamente, como se estivesse dizendo algo muito sério:
  - Por favor... desenha-me um carneiro...
  Quando o mistério é impressionante demais, a gente não ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse a milhas e milhas de todos os lugares habitados e em perigo de vida, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta. Mas lembrei, então, que eu havia estudado principalmente geografia, história, matemática e gramática e disse ao pequeno visitante (um pouco mal-humorado) que eu não sabia desenhar. Respondeu-me:
  - Não tem importância. Desenha-me um carneiro.
  Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois único desenhos que sabia: o da jibóia fechada. E fiquei surpreso de ouvir o garoto replicar:
  - Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é de um carneiro. Desenha-me um carneiro.
    Então eu desenhei.
    Olhou atentamente e disse:
    - Não! esse já está muito doente. Desenha outro. 
    Desenhei de novo.
    Meu amigo sorriu paciente: - Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os chifres...
 Fiz mais uma vez o desenho.
     Mas ele foi recusado como os anteriores:
      - Esse aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito tempo. 
 Então, perdendo a paciência, e como tinha pressa em desmontar o motor, rabisquei o  desenho abaixo. E arrisquei:
              - Esta é a caixa.O carneiro que queres está aí dentro.
  E fiquei surpreso ao ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz: 
  - Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?
  - Por quê?
  - Porque é muito pequeno onde eu moro...
  - Qualquer coisa chega. Eu te dei somente um carneirinho!
  Inclinou a cabeça sobre o desenho:
  - Não é tão pequeno assim... Olha! Ele adormeceu...
  E foi assim que conheci, um dia, o pequeno príncipe.
"Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos"

Capítulo II do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (1900 - 1944)

  C=  Mil beijos, Carol.

sonherealidade*realizesonhos*

   
    Eu estava ofegante e já me via sem forças, quando inesperadamente o meu angustiante momento de insatisfação se foi. E, então, eu me senti levemente feliz por possuir o pouco fôlego que me restava. Decididamente eu resolvi aplicar o fôlego restante em um único grito, mas antes de executá-lo pensei: “Dessa vez eu não posso falhar”, repeti essa frase para mim mesma. Eu sabia que aquela seria a minha última chance: de acordar do doce sonho, ou fugir da realidade.
   Ultimamente, escolher entre o real e o abstrato tem sido uma tarefa difícil, eu pensei. Toda a correria e superficialidade do mundo real têm cansado os meus olhos e expectativas humanas. Já no mundo dos sonhos a palavra 'manipular' se faz soberana. A manipulação que acontece é tão recíproca que me deixa confusa: ora eu controlo meus próprios sonhos, ora eles me fazem de marionete. Eu já não sei quem governa o mundo dos 'meus' sonhos.
   Minutos após todos esses pensamentos, percebi que meu grito já havia terminado. Abri meus olhos, olhei para as estrelas no céu e, nesse momento, não me importei se era tudo um sonho ou não; o encanto da noite já me bastava.


  C=  Mil beijos, Carol.