"Você sonhava acordada
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Prendia o choro e aguava o bom do amor"
* Composição: Cazuza / Ezequiel Neves / Reinaldo Arias
O vento, que ao soprar os meus ouvidos e acariciar o meu rosto cantou-me Cazuza*, lembrou-me de um antigo amigo, e assim, induziu-me a cumprimentar a saudade e a ir procurá-lo. Então, eu o fiz e fui de encontro aonde este se abrigava: no meu coração.
Um átimo foi gasto enquanto eu golpeava – com a minha destra – leve e ansiosamente a frágil portinhola que fizera barreira entre o meu coração e eu. No entanto, a débil luz que emanava da singela fresta denunciou-me que a porta se encontrava entreaberta. Empurrei-a vagarosamente, enquanto, o meu incisivo olhar analisava avidamente o ambiente, pasmado com tamanha claridade e ordem.
Eu acostumara-me, inconscientemente, a vir aqui e deparar-me com o pretume decorando as paredes compostas por músculos. No canto direito do cômodo pulsante, a penumbra era quem ocultara o meu querido amigo – um dos mais antigos sentimentos – a dor. Porém, atualmente, tudo é luz. E após vasculhar incansavelmente incontáveis pilhas de sentimentos e sensações eu não o encontrei. A frustração, então, assentou-se no canto obscuro de outrora – hoje, claríssimo – junto as inúmeras lembranças que contavam histórias, enquanto, outros bons sentimentos dançavam ao som de uma melodia qualquer. Permaneci, ainda, dentro do meu coração, boquiaberta com a completa ausência de dor, sofrimentos ou qualquer vestígio de amargura.
Tornei, então, para o meu quarto – o de paredes feitas de concreto – e peguei deliberadamente a minha surrada mochila, companheira de tempos, e aconcheguei-a em minhas costas. Finalmente, retirei-me de casa tendo como destino um dos meus lugares prediletos. Eu corria desatinada pelo caminho familiar e amigável, embora a trilha escondida no término da rua, que se estendia diante da minha morada, estivesse encoberta a esta época do ano. O outono chegara efusivo, e as folhas secas caídas das árvores o anunciavam enquanto abraçavam o solo. Um belo tapete é aquele – eu pensei automaticamente ao cessar a corrida e pôr o primeiro pé na pontezinha de cimento sobre o delicado rio, o amado por mim.
Um átimo foi gasto enquanto eu golpeava – com a minha destra – leve e ansiosamente a frágil portinhola que fizera barreira entre o meu coração e eu. No entanto, a débil luz que emanava da singela fresta denunciou-me que a porta se encontrava entreaberta. Empurrei-a vagarosamente, enquanto, o meu incisivo olhar analisava avidamente o ambiente, pasmado com tamanha claridade e ordem.
Eu acostumara-me, inconscientemente, a vir aqui e deparar-me com o pretume decorando as paredes compostas por músculos. No canto direito do cômodo pulsante, a penumbra era quem ocultara o meu querido amigo – um dos mais antigos sentimentos – a dor. Porém, atualmente, tudo é luz. E após vasculhar incansavelmente incontáveis pilhas de sentimentos e sensações eu não o encontrei. A frustração, então, assentou-se no canto obscuro de outrora – hoje, claríssimo – junto as inúmeras lembranças que contavam histórias, enquanto, outros bons sentimentos dançavam ao som de uma melodia qualquer. Permaneci, ainda, dentro do meu coração, boquiaberta com a completa ausência de dor, sofrimentos ou qualquer vestígio de amargura.
Tornei, então, para o meu quarto – o de paredes feitas de concreto – e peguei deliberadamente a minha surrada mochila, companheira de tempos, e aconcheguei-a em minhas costas. Finalmente, retirei-me de casa tendo como destino um dos meus lugares prediletos. Eu corria desatinada pelo caminho familiar e amigável, embora a trilha escondida no término da rua, que se estendia diante da minha morada, estivesse encoberta a esta época do ano. O outono chegara efusivo, e as folhas secas caídas das árvores o anunciavam enquanto abraçavam o solo. Um belo tapete é aquele – eu pensei automaticamente ao cessar a corrida e pôr o primeiro pé na pontezinha de cimento sobre o delicado rio, o amado por mim.
Apesar do rebuliço que se expandia dentro de mim, mantive-me aparentemente calma, encenando pertinaz para uma platéia inexistente, a qual poderia julgar-me louca a qualquer momento. No entanto, o entrar e sair do ar nos meus pulmões fazia-se rápido e denso em demasia, desmascarando-me plenamente. Firmei, então, as minhas mãos finas e cálidas sobre a proteção desbotada que me separava cruelmente do ribeiro. Percebi que nem mesmo a dor física fazia-se presente conforme as farpas amigavam-se dos meus dedos.
Esse é o local da minha infância e início de juventude, eu sempre viera aqui nos momentos de raiva, infelicidade ou desânimo. Nesses dias, o meu olhar fixo para o riacho me proporcionava extremo alívio; Fitava-o com severidade e, por vezes, fingia um possível pulo suicida. Se o afogamento não furtasse a minha alma, certamente a queda desengonçada o faria. No entanto, antes que qualquer travessura ou insanidade fosse executada, os sentimentos ruins que me inundavam se sacrificavam por mim. Pulavam um a um no singelo rio sem pestanejar ou me dizer adeus e, assim, eu os observava submergir na água pouco agitada. Porém, o único sentimento cinza que eu obrigara a ficar comigo sempre fora a dor, preservando assim a vida das minhas futuras lágrimas.
Hoje, aqui estou completamente aturdida. O meu olhar percorre ligeiro cada centímetro do córrego em busca da dor; e eu nada encontro. Horas se passam e eu permaneço estática, enquanto as sombras das árvores se estendem sobre o rio. Indago-me impaciente se a dor trouxera a si própria para cá através do mesmo caminho que eu percorrera. A resposta me vem do fundo da água possivelmente gélida: uma mão informe e um adeus sorridente. Curvei-me, então, para apanhar uma flor amarela que dormia junto ao meu pé. Aquiesci, por fim, acenando com a mão para minha antiga dor e lançando-lhe a belezinha perfumada após tocá-la com os lábios. Desse dia em diante, a dor viveu a sua própria vida e, longe de mim, me permitiu fazer o mesmo quando pôs um fim em nosso elo.
Hoje, aqui estou completamente aturdida. O meu olhar percorre ligeiro cada centímetro do córrego em busca da dor; e eu nada encontro. Horas se passam e eu permaneço estática, enquanto as sombras das árvores se estendem sobre o rio. Indago-me impaciente se a dor trouxera a si própria para cá através do mesmo caminho que eu percorrera. A resposta me vem do fundo da água possivelmente gélida: uma mão informe e um adeus sorridente. Curvei-me, então, para apanhar uma flor amarela que dormia junto ao meu pé. Aquiesci, por fim, acenando com a mão para minha antiga dor e lançando-lhe a belezinha perfumada após tocá-la com os lábios. Desse dia em diante, a dor viveu a sua própria vida e, longe de mim, me permitiu fazer o mesmo quando pôs um fim em nosso elo.
Texto escrito dia 23 de Janeiro, 2O11.
Pauta para o projeto Bloínques, 53ª Edição Visual.