O céu ornamenta-se com raras nuvens, inexoráveis ao meu desejo explícito de admirar o azul puramente anil. O mar faz-se de ondas efusivas, tão semelhantes as do meu agitado circular sanguíneo. Percebo a dificuldade em despir-se do passado, tanto a minha quanto a da natureza que traz consigo as marcas do ontem. A tempestade passara, devo admitir, mas as nuvens são insistentes e lutam para não se esvaírem.
As minhas únicas companhias são as lembranças de quando eu podia ter-te aqui perto de mim. Mas deliberara por livrar-me dessa gravata que me apertava o pescoço e sufocava-me sadicamente. Todo o figurino e formalidade são dispensáveis agora que a platéia já se fora, e deixara-me a fitar as cadeiras vazias. Laço desfeito e respiração confortável, logo ponho-me a conjeturar qual será o meu próximo passo após o fim do roteiro. Eu devo reviver o velho script ou encarar a aventura de dar pontos sem nós? Eis a questão.
Entre dúvidas tiro o paletó, pois creio que – independente de qual caminho eu decida seguir – não é saudável e aprazível trazer nos ombros os erros do ontem. No presente só aprovo ser aquecido por ternos feitos com linhas de ternura, e não de fios com peso de chumbo, compostos pelas minhas falhas de outrora. Removo igualmente os meus sapatos, afinal nunca intitulei justo comprimir os dedos, assim como considero um despeito imensurável permitir que um coração comprima-se de amargura ou rancor – provavelmente muitas pessoas precisam tirar os sapatos também da alma.
Já sem as luvas nas mãos, posso sentir o sutil afago do futuro entre os meus dedos; enquanto me sinto impávido por ter despojado o passado e todos os seus trajes e ultrajes. Substituíra o paletó de arrependimentos por uma camiseta leve de recomeços e acertos. Afinal, protagonizar novamente erros antigos é como vendar-se e posteriormente lamentar a cegueira... Agora sigo sem pesar, sem rumo, sem erros, sem você – e sem muitas outras coisas que não me farão falta; não enquanto essa brisa marítima soprar-me nos ouvidos que as pegadas antigas e errôneas o mar apaga, e que o frescor da vida é renovável e infindo.
Ao som de Titãs – Enquanto houver sol.
A exemplo da Tay que sempre ouve belas músicas enquanto escreve.
Senti-me tão leve e bem enquanto escrevia esse texto, espero que vocês tenham gostado. Fiquem com Deus, grande beijo.
3 comentários:
Ótimo texto, querida.
Há que se tirar os sapatos da alma mesmo, mas há quem goste do apertado. Eu, em momento de catarse, hoje descobri que preciso retirar os meus.
Um beijo.
Tão bom ler essas suas palavras; tão bom perceber a sua volta a esse espaço que tenho tanto apreço. Sabe, desde quando acompanho os seus textos, percebo que o encanto permanece o mesmo, e o brilho não se ofusca, pelo contrário, está cada dia mais aceso.
Um abraço apertado pra combinar com o seu.
Acho que já comentei o quanto admiro sua riqueza de palavras, não foi? Pois é, minha flor! Sempre estou cá e admiro (sem se cansar) dessa beleza que só encontro aqui. Esse texto tão inspirado e transmitindo o docinho do amor, aquietou meu coração, sabe? É muito bom ler-te!
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