sábado, julho 28, 2012

Eu quis a pedra que tinha no caminho.


  Passara-me e repassara-me. Ultrapassara-me. Talvez a culpa seja minha, afinal, eu me arriscara deliberadamente em parar no tempo. Baixara guarda e dispensara a honrosa e fiel cavalaria. Desfizera-me da armadura e com ela fora o meu ego narcisista; melhor assim, eu concluíra que aprender autodefesa também é importante. E o meu melhor ataque contra a pressa do tempo não fora a defesa, como o clichê sugerira, mas sim agregar ao meu jogo a pedra do adversário – eu imaginara que o xadrez da vida ficaria mais interessante dessa forma, e ficou.

  Eu gracejara com os ponteiros, retardara os segundos e derreara os lábios ao notar que o tempo ainda assim insistira em desdenhar-me – ele não quer comprar, nunca quis – e fizera questão de lançar na minha vasta estrada mais uma de suas volumosas pedras. Mas ao contrário do habitual, eu não almejara o caminho; era justamente o pedregulho que eu desejara.

  Uma peça a mais no tabuleiro o tempo me dera, e deu-me essa pedra de ingênuo que foi. Arrastei-a até um local de sombra, recostei-me nela e tomei meu livro. Pus-me a rir baixinho enquanto lia, achei graça desse tempo ligeiro que me passa, repassa e ultrapassa, mas que nunca vive. Eu sim, eu vivo: caminho, mas descanso quando necessário, ou apenas diminuo o ritmo da caminhada – sem me culpar – já ele não. É escravo de uma ampulheta qualquer, ou sempre se põe a tiquetaquear sem destino.  Some no vento, é um eterno intangível. Coitado do tempo, pensa que vive e jura ser juíz. 

  Coitado do tempo. Eu sim, eu vivo; com ou sem pedra no caminho.          

Bem, espero que vocês tenham gostado do texto. Foi uma breve homenagem ao Carlos Drummond e sua famosa "pedra no caminho" e, além disso, uma pequena releitura com um ponto de vista diferente sobre o tema 'as pedras que surgem em nossa vida'. Eu quis a pedra, recusei o caminho, risos. Afinal, no xadrez, é vantagem ter mais pedras (peças) do que o adversário. Bom fim de semana para todos! Fiquem com Deus.

quarta-feira, julho 25, 2012

Adeus.

  
   A terra negra era de uma umidade corriqueira e incômoda. Os últimos pés que calcaram tal solo, calçados por sandálias italianas de salto fino, arrastaram-se vagamente até a saída de local tão repugnante aos olhos dos que ainda vivem. O vento balançara ligeira e sutilmente o vestido cinza, e, imitando a seda, uma lágrima gélida dançou pela têmpora da linda dama de semblante abatido. Os seus dedos delgados ousaram ainda secar o tímido marejar e se inseriram graciosamente na coreografia melancólica e fúnebre.

  Os dias voaram desde o enterro do marido e, na construção dos novos momentos, ela resolvera desagregar os tijolos que compunham os pilares do sofrimento, ao passo que convertia a dor em lembranças e construía o muro feito por essa nostalgia. E as sua saudade transformava-se numa dessas que pungem aos poucos, destilam a falta e salpicam no tempo a aflição da ausência, mas aquiescem que a felicidade achegue-se, sente-se e habite novamente no peito.

  Entre as estradas e entranhas da vida, com os olhos no horizonte e o amor materno a cingir o filho pequeno, ela aprendera e fixou na memória os caminhos que percorreu. Decorara principalmente os trejeitos do seu amado que se fora: o modo como ele andava sem pressa, o seu sorriso fulgurante que derreava os cantos da boca constantemente, as vezes em que ele esquecera o copo em cima do móvel da sala e a marca que essas repetições fincaram na madeira; cravando, gravando igualmente na memória e no coração cada gesto simples e tão sublime.

  Assim como um músico decora naturalmente o que compôs e o maestro fixa os seus gestos costumeiros ao ministrar uma orquestra, o amor foi introduzido nas veias, artérias e todas as articulações da jovem viúva. Decorara o dia do sepultamento, o local da sepultura, o cheiro das flores, o caminho da volta para casa e a quantidade de lágrimas que acariciaram tristemente a sua face, mas acima de todos esses detalhes tão melancólicos, ela decorara toda forma de amor e almejava ardentemente transmiti-la ao mundo – ao seu mundo e filho.

Este texto é um pouco antigo, isso é verdade, mas quis aproveitar o dia de hoje para retornar ao blog, retomá-lo para mim... Então achei que seria bom postar um texto antigo e um atual, gosto de ver as mudanças. Enfim, um feliz dia 25 de julho, parabéns a todos pelo Dia do Escritor.

quarta-feira, maio 23, 2012

Oscila.


 A mesa é medíocre, castigada pelo tempo e de um vermelho desbotado. Vacila entre um instante e outro quando um alguém cansado apóia em sua tábua os cotovelos. Atualmente, são os meus que a fazem oscilar fora de ritmo: direita e esquerda, esquerda e direita. Está em falso – concluo sem me importar, já estou tristemente adepto à falsidade. Eu tinha estrela nos olhos... Eu gostara de sorrisos, juro-te. Hoje não mais.

 Eu admirara e perscrutara cada linha tênue e sinuosa que ousara enfeitar rostos plácidos; época na qual eu não fizera distinção entre o bom e o ruim. Amara todo e qualquer derrear de lábios com o mesmo ardor. O meu, o seu, os de estranhos... A meu ver, cada sorrir era uma estrela a suplicar aplauso; e eu fizera questão de guardar o fulgor dos astros no meu olhar para que, futuramente, fossem os faróis dos sonhos eclipsados.

 Mas houve o dia em que um riso destacou-se e, silenciosamente, solicitou-me um amor tão grande quanto o esplendor de seu cadente luzir. Rogou-me um exclusivo amor e eu o dei. Talvez eu tenha excedido alguns limites – ou deveria dizer todos? Mas quando amo, eu perco os escrúpulos. Aliás, perdia-os quando amava...

 Entretanto, apesar dos ciúmes excessivos que sombreavam os meus olhos, todo o resplandecer celestial acumulado ao fitá-la – acrescido ao amor pueril ganido em meu peito – impediu-me, por um tempo, de pôr em prática os meus engenhosos desatinos e fez-me reavaliar algumas das traições.

 Antes, amor. Depois, temor. 
 Perdoei-a, mas a persegui. Perdi-a.

  E entre soluços e lembranças recordo todos os dias o momento em que a minha estrela retornou ao céu, enquanto sou abraçado por essas paredes silenciosas da cela de um hospício qualquer, debruçado numa mesa medíocre que eu nem sei se realmente existe.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

É fel, é mel.



Insosso é sabor da saudade
Que, em pingos cálidos, é destilada.
O gosto de uma lágrima ninguém esquece   
Pois da porta da alma fora despejada.

Veneno inodoro e incolor
Transborda o gosto do rancor
Mas torna-se antídoto se for liberta
E em seu doce faz-se perpétua.

E quando o amor preenche o vazio
É pela têmpora que dança o mel,
O olhar topázio torna-se um rio
E do coração esvai-se o fel.

Onde há trevas, faz-se amarga;
Mareja a vida e inunda o rosto.
Mas se a há fulgor, é açucarada;
Ultraja a dor e o seu desgosto.


domingo, janeiro 29, 2012

Adeus aos trajes e ultrajes do passado.


  O céu ornamenta-se com raras nuvens, inexoráveis ao meu desejo explícito de admirar o azul puramente anil. O mar faz-se de ondas efusivas, tão semelhantes as do meu agitado circular sanguíneo. Percebo a dificuldade em despir-se do passado, tanto a minha quanto a da natureza que traz consigo as marcas do ontem. A tempestade passara, devo admitir, mas as nuvens são insistentes e lutam para não se esvaírem. 

  As minhas únicas companhias são as lembranças de quando eu podia ter-te aqui perto de mim. Mas deliberara por livrar-me dessa gravata que me apertava o pescoço e sufocava-me sadicamente. Todo o figurino e formalidade são dispensáveis agora que a platéia já se fora, e deixara-me a fitar as cadeiras vazias. Laço desfeito e respiração confortável, logo ponho-me a conjeturar qual será o meu próximo passo após o fim do roteiro. Eu devo reviver o velho script ou encarar a aventura de dar pontos sem nós? Eis a questão. 

  Entre dúvidas tiro o paletó, pois creio que – independente de qual caminho eu decida seguir – não é saudável e aprazível trazer nos ombros os erros do ontem. No presente só aprovo ser aquecido por ternos feitos com linhas de ternura, e não de fios com peso de chumbo, compostos pelas minhas falhas de outrora. Removo igualmente os meus sapatos, afinal nunca intitulei justo comprimir os dedos, assim como considero um despeito imensurável permitir que um coração comprima-se de amargura ou rancor – provavelmente muitas pessoas precisam tirar os sapatos também da alma.

  Já sem as luvas nas mãos, posso sentir o sutil afago do futuro entre os meus dedos; enquanto me sinto impávido por ter despojado o passado e todos os seus trajes e ultrajes. Substituíra o paletó de arrependimentos por uma camiseta leve de recomeços e acertos. Afinal, protagonizar novamente erros antigos é como vendar-se e posteriormente lamentar a cegueira... Agora sigo sem pesar, sem rumo, sem erros, sem você – e sem muitas outras coisas que não me farão falta; não enquanto essa brisa marítima soprar-me nos ouvidos que as pegadas antigas e errôneas o mar apaga, e que o frescor da vida é renovável e infindo. 

Ao som de Titãs – Enquanto houver sol
A exemplo da Tay que sempre ouve belas músicas enquanto escreve.
 Senti-me tão leve e bem enquanto escrevia esse texto, espero que vocês tenham gostado. Fiquem com Deus, grande beijo.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Sobre raízes eternas e ternas.


  Em tempos de outrora fora o verde que tingira o clima até então primaveril, ao passo que o cenário vestia-se com a mesma vida das efusivas flores; e com o aroma doce e suave das rosas dissimuladamente espinhosas.

  Mas hoje, os raios solares golpeiam a superfície de terra batida como forma de anunciar frívola e oficialmente a chegada de uma nova estação climática; enquanto a minha face, desnutrida e ressecada, jaz beijando o mesmo solo. No entanto, eu não quero desperdiçar o meu ínfimo tempo descrevendo o meu estado. Esqueçamos logo os golpes cálidos e o beijo amargo – quero perder-me na lembrança de quando éramos apenas um. 

  Vislumbro-te do local onde repouso, enquanto a vida ainda circula pelas minhas nervuras e pigmenta fracamente o meu limbo, e apesar de não mais haver raízes palpáveis que atem-me a mesma terra que te nutre, eu poderia fincar-me aqui perpetuamente – ou findar-me – através do amor que sinto; pois não lobrigo alicerce mais resistente do que este sentimento.

  Época de glória, vigor e renascimento fora a que eu vivi quando ainda estava contigo... Até o dia que conheci o outono e posteriormente o inverno. Os ventos fortes e frios recusaram o meu pranto e separaram-nos, e depois das tormentas e tempestades eu contemplei de longe o seu reflorescer na primavera seguinte; enquanto degustava o meu último nutriente – a solidão –, pois sinto que a morte implacável apresentar-se-á a mim neste verão. Mas não exijo que chores pelas folhas derramadas, porque há um pouco de mim em você inteira. Sempre houve e para sempre haverá; eu nasci de ti e tive que ceder o meu lugar para a outra geração.

  Talvez mãos macias e complacentes, percebendo o quanto eu agonizo e admiro-te de longe, tentem unir-nos de volta. Mas em breve chega o outono novamente, e a ausência de um pecíolo preso a uma bainha – e esta ao seu caule – fará com que eu vá embora, e em paz, por saber que a sua vida é também a minha.  

 Bem, estou feliz com esse texto apesar de achar que ele não ficou como eu pretendia. Nunca pensei que relataria o amor de uma folha caída pela sua árvore, mas aí está. Espero que vocês tenham gostado desse amor e dessa vida que se renova a cada folha que nasce; lembrem-se que sempre haverá um pouco das folhas que caem em todas as árvores que permanecem inteiras e robustas. Grande beijo, fiquem com Deus.

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Amor-robô.


  O brilho metálico reluz a jovialidade teatral que o tempo preservara. Não há arranhões em sua superfície gélida, tão pouco amolgaduras externas. Transpassara séculos a fio e, aparentemente, suportara com louvor todas as vezes que o apontaram como estopim de estorvos e lamúrias. Mas não deliberara a hipótese de abandonar a humanidade, embora esta já tenha virado-lhe a face incansavelmente. Contudo, eu não me contento com o que vejo, pois desconfio que a vertigem do mundo possa ter alcançado também os meus olhos bisbilhoteiros e efusivos. 

  Almejo perscrutar-te plenamente – tateando o seu interior, conferindo o funcionamento do maquinário –, verificando os parafusos e as embreagens. Afinal é isso que te mantém íntegro e inabalável. E eu tentarei consertar você, apesar da leiguice que me algema e aturdi, pois não te aceito belo por fora enquanto a ferrugem devora-te por dentro.

  Se a ti dão o título de clichê, se lhe impuseram esta armadura lustrosa e oca – de ações previsíveis, automáticas e maquinais –, dou prioridade retificar com urgência e cautela a sua memória deteriorada; para que nunca mais te esqueças de que sem ti não haveriam dedos entrelaçados, olhares cálidos e úmidos, sorrisos enfeitando lábios e sentimentos eternos... O restante eu consertarei aos poucos com calma e alma, para que você, sagrado amor, continue a encantar os dias e as noites daqueles que não te tratam como uma máquina defeituosa – e mortífera.


Espero que vocês tenham gostado desse texto, comecei a escrevê-lo e o terminei com bastante carinho; eu gostei de equiparar subjetivamente a uma máquina, a um robô, o tão falado amor. Enfim, uma ótima semana para todos. Fiquem com Deus, beijos.


quinta-feira, janeiro 05, 2012

Reescritos.


  Querido escritor,

 Durante um longo tempo eu cambaleei desapontada pela mente dos que me aprisionavam com afinco; formavam versos e compunham, porém não os registravam mais. E eu perdida em meio aos meus soluços, e entre os neurônios pulsantes de cérebros desconhecidos, lamentava aturdida o silêncio dos seus dedos que insistiam em não me transliterar. Saudade é o que eu sinto quando me recordo das vezes em que nos encontramos, e reencontramos em linhas sem fim.

  Em tempos de outrora, eu dançara solta e correra contente por páginas amareladas, vestida da mais bela caligrafia. Os reencontros entre a escrita e a folha, as ideias e os dedos – seus dedos –, criavam tantas entrelinhas. Imagine, pois, a timidez que tomar-me-á no nosso próximo e improvável reencontro. Anseio fitar e poder descrever detalhadamente as impressões digitais da sua destra, a firmeza do seu traço, o branco do papel e o sabor de ser novamente escrita. A sua eterna escrita.

A ausência foi enorme, eu sei, assim como também sei que já gastara todos os meus pedidos de desculpas possíveis. Enfim, tenho a dizer que tentarei vir aqui mais vezes e com textos melhores. Grande beijo, fiquem com Deus. E obrigado a quem não desiste de mim.