terça-feira, fevereiro 15, 2011

Metade de mim era palco, a outra metade se foi.




   Após acordar em uma manhã mormacenta de sábado, eu percebo-me inebriada ao passo que consumo o oxigênio e expiro o gás carbônico. O perfume exalado das flores recém-colidas caminha até a mim, adentra as minhas narinas – inflamando-as – e percorre ferozmente o meu sistema respiratório; Conduzindo-me a um agudo estado de êxtase. O cheiro doce das rosas, que nunca saberei a cor, golpeia efusivamente as paredes dos meus pulmões, como se planejasse expandir-se pelo resto do meu corpo. No entanto, recordo-me da última ocasião na qual as flores fizeram-se necessárias: O enterro do meu pai.

  Abanei o ar com as mãos, afastando a nuvem nostálgica e deliberei, portanto, seguir o aroma que tanto se apraz em me seduzir – anseio descobrir qual cômodo da minha casa possui a fonte de perfume tão agradável. Porém, antes de levantar-me da cama eu concentro-me em analisar. Consigo imaginar perfeitamente as flores sinuosas que se aconchegam no vazo de cerâmica, – posto em cima da mesa esférica da sala – por um motivo que eu desconheço.

  Ponho-me de pé sem alarde e com cautela para não tropeçar nos móveis, como de costume. Sigo com ímpeto em direção a porta do quarto, mas antes, dou uma singela olhadela no espelho atrás de mim, enquanto reflito sobre o pijama que me decora. Nós nunca nos veremos crescer, não é mesmo? – sussurro timidamente comigo mesma. Aquiesço, por fim, e caminho em direção a escada.

  A sola do meu pé encontra o primeiro degrau e, a cada novo passo, um júbilo percorre o meu corpo, por notar o quão independente eu sou. Os meus passos cessam, assim como a escada. Eu escuto murmúrios baixos trazidos pelo vento, os quais me denunciam que alguma visita conversa com a minha mãe no escritório, o que me causa um sobressalto. Mas, penso de antemão que deve ser algum familiar para congratular-me, devido a minha estréia no teatro do bairro hoje a noite.

  Vou de encontro a mesa, acaricio com a ponta dos dedos a dúzia de rosas e posteriormente afogo o meu rosto em sua maciez e perfume; E só despeço-me quando me convenço de que estou igualmente perfumada. Percebo automaticamente que o farfalhar das vozes, no cômodo a direita, transparece um nervosismo contido. Caminho apressada até a cozinha e apanho o primeiro copo que vejo, almejando imitar as séries e filmes nos quais as personagens põe-se a ouvir conversas atrás da porta.

  Elevo o copo de vidro até a orelha esquerda, na esperança de ampliar a minha percepção auditiva – que já é singularmente aguçada. Cerro ao máximo os olhos, como se isso também me favorecesse, e concentro-me. Enquanto, enumero as características que as vozes deixam escapar em tons audíveis: acidez, confidência, dor, desespero... Por fim, ouço o nome do meu amado namorado balbuciado entre soluços. E a frase seguinte desvencilhou-me de toda a felicidade e expectativa que em mim se abrigaram nesta manhã cinza. Eu consegui escutar apenas uma parte da conversa, mas fora o suficiente para sentir os golpes impiedosos em minha face, deixando-me moribunda.

  “Ele trazia apenas um buquê, uma aliança e um pedido. Estava a caminho daqui quando um carro o atropelou foi fatal. As flores eu pus sobre a mesa.”

  O copo dançou vivaz entre os meus dedos cálidos, enquanto eu permitia que as lágrimas igualmente caíssem – tão gélidas quanto o vidro. Eu pude ouvir o farfalhar do vento e logo em seguida o choque, tanto o meu quanto o do copo se espatifando no assoalho. Eu percebi o som fraco da porta ao ser aberta e os braços maternos e acolhedores me reerguerem ávidos.
  
  De pé, eu tateei a mesa, peguei a aliança e corri para o meu quarto enquanto a circunferência queimava em meu dedo. As horas se arrastaram dolorosamente e as lágrimas tornaram-se íntimas do meu rosto, mas eu adormeci. Eu não fui ao teatro e na manhã seguinte a dor tamborilava em meu peito. Decidi por ir somente ao velório, aonde algumas pessoas me cumprimentaram com pêsames, mas eu não consegui pronunciar palavra alguma.

  Desse dia em diante, os meus pés nunca mais tocaram o palco, embora, eu atue um pouco a cada dia. Atuo estar viva; Atuo ter me esquecido da conversa entrecortada que eu ouvira, há tempos, por trás da porta; Palavras que ecoam eternas em minha mente. Porém, todos os dias eu agradeço pelo amor que eu vivi e que ainda sinto. Agradeço aos céus por ter nascido cega – pois somente assim, eu não tive de guardar a lembrança do rosto do meu amado retorcido em dor, reluzindo a morte. Mas até hoje, a fragrância das flores permanece impregnada em meu nariz.

 Pauta para o projeto Bloínques, 54ª edição conto/história. 

 Foto: Matheus Meira, um querido amigo.


 Perdoem-me a extensão do texto. E devo confessar que não estou tão confiante quanto a minha participação nessa edição, mas enfim. No entanto, as palavras quiseram ser escritas desse modo, e assim eu o fiz. Grande beijo, e espero que tenham gostado. Agradeço verdadeiramente ao imenso carinho de todos e aos comentários sempre encantadores.                                                                           

17 comentários:

Isabelle M. disse...

Pois eu, se fosse você, teria total confiança!
Achei maravilhoso...Comecei a ler maravilhada, e continuei até o final mais maravilhada ainda!

Tá de parabéns, como sempre, linda! :)

Maiara disse...

Engoli em seco, como se o meu comentário dependesse de minha voz, aí então lembrei que os meus dedos estavam livres, e que eu poderia dizer mesmo sentindo-me muda.
Quando leio os seus textos, descanso o rosto numa das mãos, como quando uma criança ouvindo uma história de que gosta muito, e que espera em êxtase pela próxima estrofe. Sim, ainda estou extasiada. Suas palavras me conduzem tão suavemente, que quando me deparo com o ponto final tenho vontade de fazer birra.
Seus textos sempre ganham a minha admiração, estou aqui perdida entre as palavras, sentindo-me parte da história. O cheiro de rosa invadiu-me por inteiro.
As suas palavras têm vida, elas pulsam sozinhas, e pulsam em nós também. E sentir essa vivacidade para mim é demasiadamente lindo. São tantos adjetivos que eu poderia usar, mas hoje usarei a beleza. Porque a sua escrita é bela de diversas formas, sentidos, e tons. E eu só tenho a agradecer por poder observar mais essa linda arte.

Um beijo.

Laryssa disse...

Olá amiga!
Acho que esse comentário e meio que previsível, pois desde que você escreve esse blog que eu digo que os textos são maravilhosos, e não digo isso só pra agradar, na verdade queria poder saber me expressar melhor, porém minha palavras me limitam. Esse seu texto ficou ótimo, maravilhoso. Todos ficam, apesar de um ser bem diferente do outro. Parabéns amiga por ser uma excelente escritora. Creio que em meio a tentos comentários posso destacar um em que a Maiara diz que pra ler seus textos precisamos senti-los.
Ao ler esse seu texto, recordei-me do recente enterro da minha tia, e o quanto o cheiro das flores ficou no meu nariz, mesmo depois de alguns dias, ainda me lembrava daquele cheiro forte.

Não sei se deu pra você entender, mas foi isso que saiu, parabéns. :)

Laura M. disse...

Achei tão lindo, tão intenso, a gente lê e não para. Parabéns, lindo aqui!

Gabriele Santos disse...

nossa nossa nossa.
Menina, menina você estar cada dia mais imprevisivel.
Adoro sua forma de escrever e nem me incomodo com o tamanho dos teus textos, pois valem a pena chegar até o final e ficar com aquela expressão de encanto e quero mais.
Sim, sim você tem chance com este belissimo texto pois ele nos consegue nos transmiti todas as emoções nele descrita, e nos sentimos atores desta história.
Parabéns flor.

Cynthia Brito disse...

Ai, Cáh, que legal este texto. A forma como te expressas é mesmo magnífica. Fico tão entusiasmada para ler teus textos que quase engulo a tela do pc. Fico querendo saber o que há por vir. Adorei as comparações que fizeste, o que deixou teu texto muito mais descritivo. Contas cada momento tão detalhadamente que me sinto integrante da história, leio em voz alta como se estivesse atuando. Não sei se é coisa de louco. Mas teus textos fazem-me cambalear à ideias distintas e fico de olhos arregalados a cada palavra que leio, quase nem pisco. E apesar de ver o ponto que representa o fim da história, é como se ela continuasse rodopiando na minha mente. Todas as palavras ficam gravadas e eu fico parada apreciando a beleza de cada palavra. Tens um carisma muito bom para isto.

Adorei, amor.

Boa sorte, se é que precisas!

Beijos *

Italo Stauffenberg disse...

lindo. preciso de um dicionário quando leio teus textos. tu é demais, carol! lindo, simplismente. a estrutura do texto está perfeita.

Dani Ferreira disse...

Cada parte do seu texto é emocionante, mas o final com certeza me emocionou muito meesmo. Entrei mesmo na história e fiquei triste pela personagem. E os seus textos não são daqueles grandes chato sabe rs. Quando acaba você até pensa: "mas já"? riri. Parabéns :DD
Bgs Cah :*

Dani Ferreira disse...

Ah , esqueci de comentar ... Achei super criativa a imagem do seu cabeçalho *-*
Bgs :*

Rabisco de unicórnio disse...

Achei tão puro e intenso como você fala!

Tânia T. disse...

Que tristeee... nossa, fiquei me imaginando no lugar dessa menina. A dor com certeza , além da imaginação.

Flores, aliança e um pedido.. aiai.. então sonhos despedaçados. =(

Muito triste.

Acho maravilhoso como você faz parecer tão real. Quase chorei!!

E acho também que você tem muita chance. O texto está ótimo e super criativo! Pensamento positivo, por favor!!

=**

Jaynne Santos disse...

Ao mesmo tempo em que a personagem deixava cair suas lágrimas, as minhas acompanhavam daqui. Quanta emoção senti, enquanto meu olhos seguiam as palavras.

Beijos Carol!

Unknown disse...

Carol, o que mais falar após a leitura? Sempre perco-as depois de lê-las. Sempre tenho uma vaga lembrança de José de Alencar, pela sua riqueza descrição, e da Clarice, pela intimidade que você nos passa em cada linha. Sempre sempre e sempre fico fascinada pelas suas escritas, elas literalmente desprendem-me do chão! Não gosto de ficar sem palavras, mas no momento estou. Por que tudo aqui é lindo, tudo aqui é belo. Você e a Mai, são excelentíssimas escritoras. Cada uma possui uma brilho diferente, cada uma me cativa distintamente. Amo ficar aqui.

Estrela de Tinta. disse...

Primeiro, eu tenho muito o que te dizer, mas não ouso organizar essas palavras no momento. O que você quer que eu fale? Que você soube organizar as palavras? Que foi maravilhoso? Que eu amei e blablabla? Seria mais que indigno.
Estou aqui sofrendo junto com a moça do seu texto. Eu também tenho guardada as flores. Só que as flores morreram, como muitos outros sentimentos em mim.
Parabéns e boa sorte.

Anônimo disse...

Sem palavras....


Bjo meu!

Ana Luiza Cabral disse...

Olá! Adorei tudo por aqui, tudo muito simples que realmente trás bastante sensibilidade pra fazer com que a gente depare à palavras como à esse texto. Me identifiquei bastante com ele. Eu amei. Parabéns!

Deixo aqui meu blog.
http://analuizacabrall.blogspot.com/

Estarei visitando sempre. Beijo! (:

Flávia Andrade disse...

Uau que história ótima, quase chorei com ela rs' você escreve muuuito bem. Parabéns ! ;*